Por Isadora Malucelli
Desde a época do Brasil colônia, se estabeleceu que todos os terrenos situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagos, até onde se faça sentir a influência das marés, pertencem ao Poder Público, atualmente, personificado no ente federativo da União, em razão do interesse econômico e demais questões de segurança nacional. Referidos imóveis são denominados terrenos de marinha.
Nesse sentido, para fins de demarcação, conforme conceitua o Decreto-Lei n. 9.760/46[1], são terrenos de marinha todos aqueles localizados até 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio do ano de 1831.
Importante apontar que ao cadastrar determinando imóvel como terreno de marinha, deve a União, por meio da Secretaria de Patrimônio da União – SPU, observar premissas legais para que o imóvel seja regularmente identificado e demarcado, inclusive, com a devida intimação de possível Ocupante para apresentar oposição no prazo legal, se assim o quiser.
Na hipótese dessas premissas não serem corretamente observadas, em especial pela ausência de registros públicos indicando a linha do preamar-médio de 1831 em determinadas localidades do País, torna-se possível questionar judicialmente a validade da referida demarcação.
Antes de adentrar na hipótese de aquisição integral da propriedade do terreno de marinha, faz-se necessário esclarecer peculiaridades e implicações legais vinculadas a esses imóveis.
A primeira delas é que a propriedade do terreno de marinha pertence à União, contudo, a sua ocupação por particulares, pode ser regulamentada por meio de dois regimes: a ocupação e o aforamento.
No regime da ocupação, o particular adquire o direito de usar o terreno de marinha mediante o pagamento anual da Taxa de Ocupação que corresponde a 2% do valor da terra nua ocupada. A inscrição de ocupação é um ato precário, que pode ser revogado unilateralmente pela administração pública a qualquer momento, ou seja, oferece pouca segurança jurídica ao Ocupante.
Uma vez que o direito de ocupação concedido ao particular é de natureza pessoal, e não real, a extinção da ocupação pode ocorrer em determinadas hipóteses, sendo a mais comum delas o não pagamento da taxa de ocupação por 03 (três) anos consecutivos.
Por outro lado, no regime de aforamento parte da propriedade do terreno de marinha é transferida ao particular. Essencialmente, o domínio pleno[2] do imóvel é dividido entre a União e o particular, de modo que a União permanece proprietária de 17% (dezessete por cento) do imóvel e o particular passar a ser proprietário de 83% (oitenta e três por cento), sendo atribuído ao particular a condição de Foreiro[3].
A transferência parcial da propriedade pode ser feita sem custo ao particular, caso cumpridas as exigências legais para aforamento gratuito, ou mediante o pagamento de 83% do valor da terra nua. Em ambos os casos, o Foreiro ainda deverá pagar a taxa anual correspondente a 0,6% do valor do terreno de marinha.
Nesse aspecto, vale mencionar que, independentemente do regime, havendo transferência de domínio da área de marinha deverá ser pago o Laudêmio, no valor correspondente a 5% sobre o valor da transferência ou do valor venal do imóvel, sendo esse recolhimento de responsabilidade do Ocupante/Foreiro, nos termos do artigo 3º do Decreto Lei 2.398/1987.
Uma vez que no regime de aforamento ocorre a transferência parcial da propriedade (direito real) ao Foreiro, o aforamento não pode ser revogado pela administração pública a qualquer momento, de modo a oferecer maior segurança jurídica em comparação ao regime de ocupação. Ainda assim, há hipóteses previstas em Lei que podem ocasionar a extinção do foro.
Considerando os esclarecimentos acima, tem-se que apesar de muito comum a referência de que determinada pessoa é integralmente proprietária de certo imóvel à beira mar, em sentido estrito, tal afirmação não necessariamente é verdade.
Para que o particular possa adquirir o domínio pleno dos terrenos de marinha, ou seja, a totalidade da propriedade do imóvel, deve-se abrir o processo de remissão de foro, nos termos dos artigos 122 e 123 do Decreto-lei 9760/1946. A aquisição pode ser feita pelos particulares que já estão inscritos em regime de aforamento, assim como os aqueles em regime de ocupação ou que ainda não a tenham regularizado, desde que observado os requisitos impostos a cada uma dessas três hipóteses, dada a necessidade de regulamentações prévias e o adimplemento das Taxas de Ocupação ou de Foro.
Portanto, sugerimos que antes de iniciar o processo de remissão de foro, até mesmo da aquisição originária do imóvel localizado em terreno de marinha, seja feita a competente análise jurídica do imóvel e do seu registro perante a SPU, a fim de auferir maior segurança jurídica ao investimento e evitar problemas futuros.
[1] Art. 1º. Incluem-se entre os bens imóveis da União:
a)os terrenos de marinha e seus acrescidos;
Art. 2º. São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, metros horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-medido de 1831:
a)os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
[2] Para melhor compreensão dos conceitos jurídicos aplicados pela Lei:
–Domínio Útil: É a fração de 83% que o particular (foreiro) tem sobre o terreno de marinha.
-Domínio Direto: É a fração de 17% que União tem sobre o terreno de marinha.
-Domínio Pleno: É somatória dos domínios (direto e útil), alcançando 100% do domínio sobre o terreno de marinha.
[3] O regime do aforamento é regulado principalmente pelo Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946, Decreto-Lei nº 2.398 de 21 de dezembro de 1987, e pelas Leis nº 9.636/1998 e 13.240/2015.
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