Por César Pernetta Almeida Bertoldi
A economia brasileira vive um cenário inédito, em que predominam os baixos juros – e por, via de consequência, um maior apetite do investidor para a tomada de riscos – e a meteórica ascensão das startups, capitaneada por uma geração de pessoas de perfil inovador e disruptivo, avessa à lógica tradicional do mercado de trabalho.
Dados da Associação Brasileira de Startups – Abstartups, apontam um aumento de vinte vezes no número dessas empresas entre os anos de 2012 e 2020, um acréscimo anormal se comparado a qualquer outro setor da economia, o que indica a importância do fomento ao desenvolvimento de tais negócios.
Paradoxalmente, os empreendedores vêm encontrando grandes barreiras na obtenção de crédito para a implementação de suas startups, ao esbarrarem na dificuldade de aprovação da linha de crédito e, igualmente, nos altos juros cobrados pelas instituições financeiras – em parte justificada, face à baixa geração de caixa das empresas incipientes e no risco de inadimplemento inerente à natureza da própria atividade empresarial.
Diante disso, observa-se que uma das maiores soluções adotadas pelos empreendedores é a alavancagem de seus negócios com capital particular. Ao oferecerem ao mercado retorno superior ao obtido tradicionalmente, os criadores de startups encontram uma via de mão dupla com o detentor de capital que, desinteressado nos investimentos tradicionais, possua atração para maior exposição ao risco.
Nesse cenário, uma das ferramentas mais utilizadas para a operacionalização do investimento, isto é, para a injeção de recursos de terceiros em startups, é a Sociedade em Conta de Participação (disciplinada, sobretudo, pelos artigos 991 a 996, do Código Civil).
A SCP, como é comumente referida nos meios empresarial e jurídico, é modalidade de contrato pelo qual uma pessoa natural ou jurídica, definida como Sócia Ostensiva – neste caso, a própria startup -, recebe aporte financeiro de investidores, denominados Sócios Participantes – ou seja, aqueles que participam do empreendimento como interessados em seu sucesso financeiro -, sem que esses se tornem responsáveis pela gestão do negócio ou por eventual insucesso da empreitada.
Significa dizer: o investidor, coberto pelo manto de Participante na SCP, injeta dinheiro na startup, contratualmente revestida do dever de empreender por sua conta e risco, confiante no êxito do empreendimento e no retorno financeiro futuro, mas sem qualquer obrigação de converter-se como sócio ou de absorver a responsabilidade pelos atos de gestão levados à efeito pela startup.
A bem da verdade, a origem dos recursos, em que pese lícita, sequer é revelada ao mercado, de modo que a forma de captação financeira passa incólume aos olhos daqueles que com a startup transacionam.
Não à toa, a discrição é um dos atrativos do contrato de sociedade em conta de participação, sendo os Sócios Participantes comumente referidos como “Sócios Ocultos”, o que, de forma invariavelmente equivocada, denota a ideia de ilicitude do negócio, totalmente alheia à realidade do regime da SCP, vale dizer, modalidade de contrato revestido de natureza jurídica válida e eficaz.
O que se oculta, em realidade, é a existência da SCP, mas não a origem dos recursos aportados pelos investidores, não se confundindo a conta de participação como meio de se por em prática interesses escusos e/ou de obter vantagem ilícita mediante o aporte de valores suspeitos ou não contabilizados pelos Sócios Participantes.
Igualmente, a existência de uma SCP não elide a responsabilidade do Sócio Ostensivo (no caso, a startup) de cumprir com as obrigações fiscais decorrentes da atividade empresarial, valendo registrar que todos os tributos devem ser adimplidos normalmente pela empresa.
Cumpre assinalar, a esse propósito, que a SCP deve ser registrada perante a Receita Federal e terá CNPJ próprio – o que não a torna um ente provido de personalidade jurídica, sendo vedado à SCP firmar negócios ou transacionar no mercado. Tal atividade será exercida, em caráter de exclusividade, apenas pela startup.
Concluído o objetivo da SCP, contratualmente disposto entre os Sócios Ostensivo e Participantes, estes últimos são remunerados de acordo com o sucesso do empreendimento, tal como aconteceria em qualquer outra modalidade de investimento de risco variável. Ou seja, o Sócio Oculto participa apenas com o investimento, ficando o risco adstrito ao montante do aporte e pouco importando eventuais dívidas contraídas pelas startups na condução dos negócios, que não poderão atingir o restante do patrimônio dos investidores.
Assim, pode-se concluir que a Sociedade em Conta de Participação é uma solução clássica – porquanto se trate de uma das formas de investimento de origem mais remota – para uma questão contemporânea – o excesso de liquidez, os juros baixos e o apetite do mercado pelo risco -, revelando-se uma ferramenta valiosa tanto para os empreendedores quanto para os investidores.
César Bertoldi
OAB/PR 90.452
Uma Resposta para “O investimento em Startups por intermédio da Sociedade em Conta de Participação (SCP): Uma solução clássica para uma questão contemporânea”
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