Provimento nº 194/2025 do CNJ e a Publicidade da CEP: Avanço no Combate à Ocultação Patrimonial

  • Por:Cunha de Almeida
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Em 26 de maio de 2025, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da Corregedoria Nacional de Justiça, editou o Provimento nº 194, promovendo uma relevante alteração no Código Nacional de Normas do Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra). O novo ato normativo tem como núcleo permitir o acesso público — mediante identificação digital — a dados básicos constantes da Central de Escrituras e Procurações (CEP), gerida pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF).

Trata-se de medida que promove, de forma objetiva e concreta, o princípio da publicidade dos atos notariais, sem descurar da proteção de dados pessoais. É, sobretudo, providência que aprimora os mecanismos de acesso à informação e contribui diretamente para a efetividade da jurisdição, sobretudo no contexto de investigações patrimoniais e de responsabilização de devedores que se ocultam por meio de terceiros.

  1. Acesso facilitado à CEP: o que muda na prática

Até então, o acesso à Central de Escrituras e Procurações — módulo da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec) — era limitado a tabeliães de notas e autoridades públicas. A nova redação do art. 273 do CNN/CN/CNJ-Extra, introduzida pelo Provimento nº 194/2025, democratiza esse acesso: qualquer interessado, munido de certificado digital (ICP-Brasil ou Notarizado), pode consultar a base. O resultado da consulta indicará:

  • o cartório onde foi lavrado o ato;
  • o número do livro e da folha;
  • e a espécie do ato (escritura pública ou procuração pública).

Importante frisar que o conteúdo do ato permanece protegido, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e demais normativas incidentes. A divulgação é limitada à informação essencial — o que, contudo, já representa um avanço relevante no cenário de localização de bens e identificação de vínculos negociais.

  1. Fundamento jurídico e motivação institucional

A medida tem origem no Pedido de Providências nº 0003263-30.2024.2.00.0000, formulado por respeitado advogado (Dr. Vitor Gomes Rodrigues de Mello) que atua na recuperação de crédito e busca patrimonial. A justificativa do requerente evidenciou a assimetria de tratamento então existente: enquanto atos como testamentos, inventários extrajudiciais e diretivas antecipadas de vontade já eram acessíveis, escrituras e procurações ficavam protegidas por um regime de sigilo que carecia de base jurídica razoável.

O Excelentíssimo Ministro Mauro Campbell Marques, Corregedor Nacional de Justiça, acolheu parcialmente o pleito, observando que o modelo anterior destoava da lógica da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e da própria finalidade dos registros públicos, conforme delineado na Constituição Federal.

  1. Uma ferramenta contra a burla patrimonial

Um dos efeitos práticos mais relevantes do Provimento nº 194/2025 reside em seu potencial para combater condutas fraudulentas de devedores que se valem da ocultação de patrimônio ou da nomeação de terceiros como procuradores — os chamados “testas de ferro” — para continuar exercendo atividades empresariais mesmo diante de restrições judiciais ou obrigações pendentes.

Municípios de pequeno porte, distantes dos grandes centros ou com cartórios de atuação mais limitada, frequentemente são escolhidos como locais para lavratura de atos notariais pouco conhecidos. Em muitos casos, escrituras de doação, cessões dissimuladas, procurações com amplos poderes de gestão empresarial e constituições de sociedades ocultas são formalizadas em tais localidades, longe do alcance das partes interessadas nos grandes centros.

O novo regramento permite identificar, com maior celeridade e exatidão, a existência de tais atos, facilitando a localização de patrimônio ou a demonstração de vínculos jurídicos e operacionais entre o devedor e terceiros aparentemente desvinculados.

  1. Impactos para credores e operadores do Direito

A inovação normativa representa um instrumento valioso para escritórios de advocacia focados em recuperação de ativos, bancos, securitizadoras, fundos de investimento, peritos e partes interessadas em execuções judiciais ou procedimentos de desconsideração da personalidade jurídica. Dentre os principais impactos positivos, destacam-se:

  • Mapeamento de procurações: a identificação de outorgas de poderes amplos de administração — especialmente quando concedidas por empresas inativas a pessoas físicas próximas ao devedor — permite demonstrar a continuidade informal da atividade empresarial.
  • Rastreamento de escrituras de cessão, doação ou transferência simulada de bens: a mera indicação da existência do ato já orienta diligências específicas para sua obtenção, inclusive com autorização judicial, nos termos da legislação vigente.
  • Inversão da assimetria informacional: o provimento corrige uma situação de desigualdade entre partes litigantes, permitindo que credores tenham acesso a dados anteriormente restritos a notários e oficiais de registro.
  • Valorização da motivação legítima e rastreabilidade das pesquisas: embora o acesso seja facilitado, a consulta permanece auditável e, em alguns casos, condicionada à justificativa de interesse legítimo, sobretudo quando feita por terceiros estranhos à relação.
  1. Segurança jurídica e limites à publicidade

O Provimento nº 194/2025 não elimina os limites legais à divulgação dos atos notariais. A consulta pública à CEP permanece controlada, sendo vedado o fornecimento do conteúdo dos atos, bem como a especificação da natureza jurídica do negócio lavrado (como compra e venda, doação ou confissão de dívida).

Tais limites estão em consonância com a LGPD e com o princípio da finalidade dos registros públicos: garantir o acesso, mas sem violar o sigilo de informações sensíveis ou pessoais que, embora formalizadas em cartório, não têm destinação publicitária ampla.

  1. Considerações finais

O Provimento nº 194/2025, ao alterar a redação do art. 273 do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial, consolida uma mudança significativa no paradigma da publicidade dos atos notariais. Trata-se de medida que alia inovação normativa, respeito à proteção de dados e fortalecimento da jurisdição civil, em especial nos casos de recuperação de crédito e responsabilização de devedores contumazes.

Em um cenário cada vez mais digital e interconectado, o fortalecimento de mecanismos de busca e identificação de atos patrimoniais é essencial para garantir a efetividade das decisões judiciais e a proteção de credores diligentes.

O acesso à CEP, agora disponível a qualquer interessado que atenda aos requisitos técnicos, representa um avanço na democratização do sistema registral brasileiro, contribuindo para a higidez das relações negociais e a repressão a práticas fraudulentas.

Mathias Menna Barreto Monclaro

 

Postado em: Notícias STJ

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