O setor elétrico brasileiro, reconhecido pela sua complexidade estrutural e regras bastante rígidas, enfrenta desafios recorrentes, relacionados à manutenção do equilíbrio e da segurança do Sistema Interligado Nacional (SIN).
E, nesse aspecto, soa salutar destacar que um dos mecanismos regulatórios utilizados para alcançar esse equilíbrio é o curtailment, termo técnico que se refere à interrupção ou redução da geração de energia, determinada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Os curtailments não são novidade para os agentes do setor, especialmente os geradores.
Desde o ingresso no ambiente de comercialização livre de energia, é de amplo conhecimento dos participantes que o sistema pode exigir medidas como essa para manter a estabilidade elétrica e evitar falhas sistêmicas, especialmente em momentos de sobreoferta de energia.
Exemplo disso são as notícias[1] acerca de excesso de produção de energia pela geração distribuída (a exemplo dos painéis de energia solar), que estão a levar a ANEEL e o Operador Nacional do Sistema – NOS a tratar urgentemente o tema, visando uma solução que evite o colapso do sistema elétrico com a ocorrência de apagões.
Ainda assim, embora sejam previsíveis e amplamente regulamentados, os curtailments continuam a ser fonte de controvérsia quando analisados sob a perspectiva econômica e contratual, gerando impactos significativos para todos os agentes envolvidos.
Curtailments: Compreendendo o Contexto e Suas Consequências
Os curtailments são implementados pelo ONS para proteger a integridade do SIN diante de condições técnicas ou operacionais desfavoráveis. Isso inclui situações de excesso de geração ou limitações no transporte da energia pelos sistemas de transmissão, o que pode gerar riscos de instabilidade para o sistema elétrico como um todo.
Quando o curtailment é acionado, ele afeta diretamente os geradores de energia, que podem ter sua produção limitada ou mesmo interrompida, apesar de já terem firmado contratos de venda de energia no mercado livre ou regulado. Como resultado, ainda que tenham capacidade e autorização para gerar determinada quantidade de energia, são obrigados a interromper parte ou toda a entrega por ordem do ONS.
Sob o aspecto econômico, o impacto dos curtailments é muito relevante, especialmente em contratos firmados no ambiente de comercialização livre de energia. Nesse modelo, o valor pago pela energia negociada reflete variáveis, como volume contratado, preço ajustado e entrega efetiva no mercado. Assim, quando há interrupções de geração, um dos lados da relação contratual pode sofrer prejuízos que alimentam disputas nas esferas administrativa e judicial.
As Divergências no Debate Econômico e Jurídico
As discussões sobre curtailments frequentemente recaem sobre o equilíbrio de riscos no setor elétrico e a alocação adequada dos impactos financeiros decorrentes das interrupções. Esse equilíbrio é desafiador no mercado livre, onde a negociação é feita diretamente entre vendedores (geradores) e compradores (consumidores livres ou comercializadores).
Do ponto de vista do gerador, o curtailment é visto como parte dos riscos atrelados ao funcionamento de um setor onde a estabilidade do sistema precisa ser priorizada.
Por outro lado, para o consumidor de energia do ambiente livre, os curtailments podem resultar em custos elevados, já que as interrupções podem forçar a aquisição de energia em mercados de curto prazo, onde os preços costumam ser significativamente mais altos.
É nesse contexto que surgem disputas, judiciais e arbitrais, sobre quem deve arcar com os prejuízos – se o gerador, que sabia do risco de interrupções, ou o consumidor, que pode não ter programação para suportar preços adicionais, circunstâncias que acarretam desafios para a interpretação de contratos e normas, além de exporem a necessidade de maior clareza regulatória no setor.
Possíveis Soluções para Mitigar os Impactos dos Curtailments
Embora os curtailments sejam amplamente conhecidos no setor e sua aplicação seja irreversível sob certas circunstâncias, algumas soluções vêm sendo discutidas para mitigar seus impactos e evitar prejuízos excessivos para qualquer das partes. Entre as propostas geralmente destacadas estão:
O Potencial do Armazenamento de Energia como Solução Complementar
Como alternativa para reduzir os prejuízos dos curtailments, o armazenamento de energia com baterias surge como uma solução técnica inovadora que merece destaque[2]. Por meio delas, os geradores teriam a capacidade de armazenar o excedente de produção gerado nos momentos em que o sistema determina o corte. Essa energia armazenada poderia ser utilizada posteriormente, tanto para consumo quanto para comercialização, trazendo flexibilidade operacional e financeira.
O uso de baterias apresenta vantagens claras:
Embora o armazenamento de energia com baterias envolva altos custos iniciais, sua implementação em larga escala pode não apenas minimizar conflitos sobre curtailments, mas também contribuir para a modernização e a sustentabilidade do setor elétrico no Brasil. Ainda assim, a decisão de investir nesse modelo depende de ajustes regulatórios que incentivem sua viabilidade econômica e garantam sua inserção estrutural no sistema.
Conclusão: Um Tema Estratégico e Desafiador
Os curtailments, previsíveis no contexto do setor elétrico brasileiro, geram repercussões legais e econômicas que suscitam debates importantes sobre a alocação de riscos entre geradores, consumidores e outros agentes do mercado. Apesar da familiaridade dos geradores com essas medidas, os impactos financeiros e as controvérsias envolvendo a relação contratual no mercado livre reforçam a necessidade de soluções eficientes e colaborativas.
Enquanto algumas alternativas já são amplamente adotadas, como o aperfeiçoamento de contratos e estratégias de mitigação de risco, soluções tecnológicas, tais como o uso de baterias de armazenamento, prometem transformar a forma como o setor lida com curtailments e desafios semelhantes.
O tema ainda demandará muito debate e regulação jurídica no setor de energia, assim como discussões que recairão no Poder Judiciário. A melhor solução será o maior conhecimento dos envolvidos sobre os detalhes do curtailment e adequada alocação de riscos, possibilitando uma segurança jurídica ao setor.
Pedro Ivan Vasconcelos Hollanda – Advogado.
[1] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/09/aneel-convoca-reuniao-para-tratar-de-risco-de-apagao-por-excesso-de-energia-solar.shtml
[2] https://eixos.com.br/energia-eletrica/curtailment-e-baterias-o-casamento-perfeito/
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