
Por Nanderson Gilliardy de Lima Pinheiro.
O Brasil é o segundo país do mundo em número de aeródromos[1] – mais de 4.200 (quatro mil e duzentas) pistas de pouso e decolagem –, perdendo apenas para as mais de 20.000 (vinte mil) dos Estados Unidos.[2]
Nos últimos 15 (quinze) anos, o modal aéreo de transporte passou a integrar o cotidiano de grande parte dos brasileiros. Quem voava apenas esporadicamente e/ou de férias, passou a utilizar do transporte aéreo para trabalhar, estudar, e para o dia a dia, de forma geral.
Essa explosão do uso da malha aérea não foi acompanhada simultaneamente pela estrutura dos aeródromos e, menos ainda, pelas operadoras do setor aéreo nacionais, o que colocou o Brasil no topo do ranking de países com maior número de litígios contra companhias aéreas.
Segundo dados da ABEAR (Associação Brasileira de Empresas Aéreas), o Brasil concentra 98,5% das ações judiciais do mundo inteiro, decorrentes de atrasos e cancelamentos de voos.[3]
A legislação brasileira prevê, de um lado, a necessidade de que o passageiro afetado por eventual atraso/cancelamento demonstre a “efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão”; mas, de outra via, afasta a responsabilidade do transportador quando comprovado que tal atraso/cancelamento se deu por motivo de caso fortuito ou de força maior[4].
Visando, de um lado, assegurar o direito indenizatório dos passageiros efetivamente lesados, e, de outro, refrear a litigiosidade cultural brasileira, o Judiciário tem estreitado os limites daquilo que pode ser considerado como dano moral, nas ações dessa natureza.
Não por outra razão o Supremo Tribunal Federal, no último dia 26/11/2025, suspendeu todas as ações nas quais se busquem indenizações decorrentes de atrasos ou cancelamentos de voo fruto de caso fortuito ou força maior – como é o caso dos eventos climáticos.[5]
Outro exemplo prático desse posicionamento do Judiciário é a utilização do relatório climático “METAR” (Meteorological Aerodrome Report) como uma espécie de “filtro” para as pretensões de dano moral.[6] Esse relatório, emitido de hora em hora, reporta as condições meteorológicas de cada aeródromo, sendo um documento essencial para determinar, por exemplo, a eventual interrupção das operações (o chamado “fechamento de pista”).
É esse boletim que acaba originando grande parte dos atrasos e cancelamentos de voo, eventos tão comuns em nosso país, para os quais, infelizmente, as companhias aéreas parecem não estar preparadas. Esse relatório é codificado, contendo as seguintes informações (dados fictícios):
O exemplo acima retrata uma situação que certamente suspenderia as operações no aeroporto, causando o atraso ou cancelamento de todos os voos naquele período. Nessa hipótese, se um passageiro ajuizasse ação fundada unicamente no atraso/cancelamento do voo, a companhia aérea certamente utilizaria esse relatório METAR para tentar afastar a sua responsabilidade e, segundo o que tem decidido o Judiciário, esse passageiro dificilmente conseguiria a indenização.
Por isso, para obter a indenização nesses casos, o passageiro precisa demonstrar ao Juiz que: 1) o atraso/cancelamento do voo gerou consequências mais graves do que a simples espera por um novo voo: e 2) a companhia foi falha no gerenciamento da crise emergida do atraso/cancelamento.
Daí a importância de documentar, tão minuciosamente quanto possível, cada uma das providências adotadas pela companhia aérea na ocasião, tais como (mas não só): a) a clareza e a frequência dos comunicados oficiais aos passageiros; b) o fornecimento de alimentação; c) as providências de transporte e hospedagem; d) a colocação em outro voo (da própria ou de outra companhia); e) o downgrade de categoria.
Além disso, também é fundamental que o passageiro f) guarde os comprovantes de pagamento/notas fiscais de alimentação, transporte e hospedagem particulares, caso não disponibilizados pela companhia; g) demonstre a perda de compromissos no destino por conta do atraso/cancelamento do voo; e h) comprove a perda de embarque (no show) em eventual(is) voo(s) subsequente(s) de conexão.
Assim fazendo – demonstrando ao Juiz que, apesar do boletim METAR desfavorável, a companhia aérea não proveu adequada assistência ao passageiro – será muito maior a possibilidade de se obter uma substanciosa indenização por dano moral ou, ao menos, de se celebrar eventual acordo com a companhia aérea, muito mais proveitoso e consentâneo com a realidade das mazelas sofridas pelo passageiro.
[1] https://aisweb.decea.mil.br/?i=aerodromos&p=rotaer
[2] https://www.bts.gov/content/number-us-airportsa
[3] https://www.abear.com.br/imprensa/agencia-abear/noticias/desde-2020-numero-de-processos-contra-companhias-aereas-aumentou-em-media-60-ao-ano/
[4] Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86). Art. 251-A. A indenização por dano extrapatrimonial em decorrência de falha na execução do contrato de transporte fica condicionada à demonstração da efetiva ocorrência do prejuízo e de sua extensão (…). Art. 256. (…) § 1° O transportador não será responsável:
(…) II – no caso do inciso II do caput deste artigo, se comprovar que, por motivo de caso fortuito ou de força maior, foi impossível adotar medidas necessárias, suficientes e adequadas para evitar o dano.
(…) § 3º Constitui caso fortuito ou força maior, para fins do inciso II do § 1º deste artigo, a ocorrência de 1 (um) ou mais dos seguintes eventos, desde que supervenientes, imprevisíveis e inevitáveis:
I – restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de condições meteorológicas adversas impostas por órgão do sistema de controle do espaço aéreo;
[5] STF, ARE nº 1.560.244/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 26.11.2025.
[6] TJPR, 0027584-89.2022.8.16.0021, Rel. Des. Arquelau Araujo Ribas, j. 25.11.2023 / TJSC, 5018722-53.2023.8.24.0064, Rel. Des. Carlos Roberto da Silva, j. 18-09-2025 / TJSP, 1015091-07.2023.8.26.0003, Rel. Des. Eduardo Velho, j. 23/09/2025).
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