A Nova Lei de Seguros (nº 15.040/2024) e seus conflitos com outros microssistemas legais

  • Por:Cunha de Almeida
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Quando chegar 11 de Dezembro de 2025, data da entrada em vigor da Lei n. 15.040/2025, será que as companhias seguradoras estarão adequadas às novas regras do Marco Legal dos Seguros?

A resposta dependerá não apenas do estudo, discussão e adaptação pelas seguradoras, mas também sobre como se dará a regulamentação pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP ao novo regramento legal.

A alteração é impactante, afinal 46 artigos do Código Civil (do 757 ao 802 e o inciso II, do § 1º do art. 206) estão sendo revogados em 11 de Dezembro de 2025. Além disso, o Decreto-Lei n. 73/1966, que também disciplina a operação de seguro, será igualmente afetado, com a revogação dos artigos 9 a 14, que tratam do relevante tema da proposta, contratação e pagamento do seguro.

No entanto, como não raro ocorre com o advento de uma nova legislação, há pontos de conflito da nova lei com outros dispositivos legais, assim como com o Código Civil e a própria Constituição Federal.

Exemplo disso é a Lei da Arbitragem. Nela não há delimitação prévia acerca do foro sobre o qual deverá recair eventual discussão judicial sobre os temas submetidos à arbitragem (artigo 11, parágrafo único e 33), o qual poderá ser de livre escolha das partes ou de acordo com as disposições legais aplicáveis pelo Código de Processo Civil (arts. 42 a 53).

Porém, a Nova Lei de Seguros, nº 15.040/2024, em seus artigos 129 e 130, dispõe expressamente que compete exclusivamente à Justiça Brasileira compor “litígios relativos aos contratos de seguro sujeitos a esta Lei, incluindo a resolução de litígios por meios alternativos, que será feita no Brasil e submetida às regras do direito brasileiro, inclusive na modalidade de arbitragem.

Ou seja, não poderá haver contrato de seguro com previsão de outro foro judicial ou arbitral que não o do Brasil, assim como a aplicação de legislação distinta da brasileira.

Por óbvio que a obrigatoriedade da aplicação da lei e foro nacional são benéficos para a grande maioria dos seguros contratados no país, ainda mais aqueles vinculados a pessoas naturais e seguros de baixa complexidade.

No entanto, poderá haver casos em que tal disposição inviabilize a contratação de seguros de grandes riscos por seguradora estrangeira, com filial no Brasil, que pretenda discutir eventual conflito envolvendo o seguro, em foro judicial ou arbitral diverso, ou mediante a aplicação de legislação estrangeira.

Vale lembrar que na redação do artigo 757-A[1], do Projeto de Reforma do Código Civil, há previsão expressa, na parte relativa a seguros de que em situações contratuais simétricas e paritárias, as partes poderão escolher os meios de solução de conflitos, sem qualquer ressalva da exclusividade do foro e legislação brasileira. Esse é um tema sobre o qual recairá muito debate e que deverá receber definição final somente no Poder Judiciário.

Outro conflito trazido pela nova lei diz respeito à própria Constituição Federal. O artigo 86, parágrafo 6º[2], da Lei de Seguros, dispõe que a seguradora, ao recusar a cobertura da indenização securitária deverá se valer de fundamentos que não poderão ser inovados posteriormente. Ou seja, nos 30 (trinta) dias que a seguradora tem para se manifestar sobre a cobertura do sinistro, contados da apresentação da reclamação ou do aviso de sinistro pelo interessado, caso sua manifestação seja pela negativa da cobertura, os fundamentos de que se valeu não poderão ser alterados, acrescidos ou suprimidos, em momento posterior de eventual discussão sobre o seguro.

A falta de clareza da lei neste ponto leva a crer que sequer poderia a seguradora apresentar argumentos novos em contestação à demanda judicial que lhe seja aforada na hipótese de negativa da cobertura de sinistro.

Ora, tal disposição inegavelmente limita os princípios constitucionais basilares à ampla defesa e ao contraditório, a serem exercidos pela seguradora, sem que tal limitação seja aplicável ao segurado que venha a ingressar com uma demanda judicial visando obter decisão judicial que reverta a negativa da seguradora, eis que toda matéria que lhe interesse poderá ser suscitada em seu favor.

Essa impossibilidade de inovação argumentativa deveria permanecer limitada apenas à fase administrativa da relação securitária e não sobre a judicial, como aparentemente parece incidir.

Outro conflito relevante, e não menos importante, diz respeito ao tema da prescrição à exigência do seguro. A nova lei revogou o inciso II, do parágrafo primeiro, do artigo 206, do Código Civil, que tratava, em sua alínea “b”, do prazo prescricional de 01 (um) ano para que o segurado reclamasse seu direito de indenização perante o segurador.

A diferença foi que o artigo 126, II, da nova lei dispõe que o prazo prescricional de 1 (um) ano para o segurado reclamar o seguro judicialmente passou a ter seu início não a partir do fato gerador que daria direito à reclamação da indenização, mas da ciência da recepção da recusa expressa e motivada feita pela seguradora.

Em outras palavras, o fato gerador do sinistro, assim compreendido como a data do dano, da morte ou da invalidez, por exemplo, não mais será o momento a partir do qual se inicia o prazo prescricional de 1 (um) ano à reclamação do segurado, sendo somente a partir da ciência da negativa do seguro que tal prazo começa a fluir.

Tal previsão pode levar à inadmissível interpretação de que enquanto não houver o reclame do segurado, não se iniciaria ao prazo prescricional, o que se daria independentemente da data de ocorrência do fato gerador do sinistro, até porque ali haveria evidente descompasso com o art. 205 do Código Civil Brasileiro.

Ou seja, a leitura fria da lei encerraria num prazo imprescritível, pois demandaria uma conduta do segurado, que poderia não ocorrer ou ser prorrogada indefinidamente, ao seu critério exclusivo.

Evidentemente que aqui ganha peso a previsão contida no artigo 66, II[3], da lei de que o segurado tem o dever de informar prontamente à seguradora a ocorrência do sinistro, o que, porém, não importa numa definição exata acerca do início da contagem de seu prazo prescricional.

O que se conclui dessas 03 (três) controvérsias eleitas exemplificativamente – e existem outras[4] –  é que a Lei n. 15.040/2024 deve ser interpretada não como um diploma normativo autônomo e independente, mas como um microssistema que precisa conviver harmoniosamente com todos os demais microssistemas legais, respeitando as normas gerais dispostas na Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro.

Essa é a orientação interpretativa de Erik Jayme, jurista da Universidade de Heldelberg, na Alemanha, com sua teoria interpretativa do Diálogo das Fontes[5], aplicável para situações de necessária interpretação unitária de todo um sistema normativo.

Assim, aplicando-se os preceitos dessa teoria:

  1. a controvérsia sobre a competência exclusiva da Justiça brasileira, deveria ganhar contornos distintos quando se estiver diante de seguros de grandes riscos e nos quais haja simetria e paridade entre as partes contratantes, com o que se atende, inclusive, ao artigo 421-A, do Código Civil e ao artigo 5º, caput, da Constituição Federal;

 

  1. a impossibilidade de inovação na recusa motivada da seguradora à cobertura do seguro, deveria, em caso de sinistros dotados de demasiada complexidade (não necessariamente de altos valores envolvidos), ser substituída pela ampla possibilidade de fundamentação em sede de defesa judicial, respeitando-se a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório (art. 5. LV, CF/88) e

 

  1. a questão relativa à prescrição, merece interpretação no sentido de que o seguro não pode ser reclamado indefinidamente, eis que prejudicial às reservas técnicas da seguradora e ao próprio segurado, porquanto tal previsão poderia importar na consequente majoração do prêmio, eis que a obrigação de cobertura seria prorrogada por extenso período, devendo ser mantido e respeitado o prazo de 1 (um) ano contado de seu conhecimento, haja vista a previsão do segurado informar prontamente à seguradora a ocorrência do sinistro.

 

Enfim, esses são apenas alguns temas sobre os quais muito ainda se discutirá sobre acerca da Lei n. 15.040/2025, que certamente trará demasiado trabalho e reflexões às seguradoras, aos reguladores de sinistro, à Superintendência de Seguros Privados, aos advogados e ao Poder Judiciário, até que se encontrem soluções interpretativas e adequadas à realidade das seguradoras e dos segurados.

Pedro Ivan Vasconcelos Hollanda – advogado.

 

[1] “Art. 757-A. Os contratos de seguro de grandes riscos, que se presumem paritários e simétricos, serão definidos a partir do valor da garantia contratada, do porte econômico do tomador ou segurado e de outros critérios definidos pelo órgão regulador. Parágrafo único. Nesses casos, as partes terão ampla liberdade para a elaboração de cláusulas, para a escolha dos meios de prevenção destinados a evitar e a conter o aumento do risco segurado, bem como para solução de conflitos.”

[2] “Art. 86. A seguradora terá o prazo máximo de 30 (trinta) dias para manifestar-se sobre a cobertura, sob pena de decair do direito de recusá-la, contado da data de apresentação da reclamação ou do aviso de sinistro pelo interessado, acompanhados de todos os elementos necessários à decisão a respeito da existência de cobertura. (…) § 6º A recusa de cobertura deve ser expressa e motivada, não podendo a seguradora inovar posteriormente o fundamento, salvo quando, depois da recusa, vier a tomar conhecimento de fatos que anteriormente desconhecia.”

[3] “Art. 66. Ao tomar ciência do sinistro ou da iminência de seu acontecimento, com o objetivo de evitar prejuízos à seguradora, o segurado é obrigado a: (…) II – avisar prontamente a seguradora, por qualquer meio idôneo, e seguir suas instruções para a contenção ou o salvamento;”

[4] Como é o caso da definição da não comunicação com dolo ou com culpa pelo segurado acerca da ocorrência do seguro ou da majoração do risco do seguro, sem a definição conceitual sobre tais hipóteses, o que levará a infindável discussão judicial.

[5] No Brasil, ver “Diálogo das Fontes. Do Conflito à Coordenação de Normas do Direito Brasileiro”, coordenação de Cláudia Lima Marques. 2012. São Paulo: Revista dos Tribunais.

 

Postado em: Notícias STJ

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