“Assinei sem ler”: cláusulas contratuais que podem virar armadilhas para empresas

  • Por:Cunha de Almeida
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Em meio à rotina acelerada dos negócios, infelizmente é compreensível que o empresário acabe deixando o jurídico “em segundo plano” — especialmente quando se trata de contratos padronizados ou relações já conhecidas. Não é raro que documentos importantes sejam assinados com base na confiança entre as partes, sem que haja uma leitura atenta das cláusulas.

O problema é que o contrato, ainda que oriundo de uma relação aparentemente simples ou informal, produzirá todos os efeitos previstos em sua redação. E, quando surgem os primeiros conflitos, é nele que estarão os limites — ou as ausências — daquilo que pode ser exigido ou questionado judicialmente.

Mais do que um alerta, este artigo é um convite à prevenção. Afinal, contratos mal lidos, mal assinados ou mal compreendidos podem gerar passivos inesperados, desgaste com fornecedores ou parceiros e até bloqueios judiciais. A seguir, elencamos algumas cláusulas que, apesar de parecerem banais, podem gerar grandes prejuízos quando não observadas com atenção.

  1. Multas que desequilibram a relação

A estipulação de multa por inadimplemento ou rescisão é legítima. Contudo, é comum encontrar contratos com penalidades que ultrapassam qualquer razoabilidade — como multas fixadas em 50% do valor total do contrato, mesmo que já parcialmente cumprido.

Essas penalidades, na prática, coíbem a revisão ou o rompimento do contrato, mesmo em situações de desequilíbrio econômico-financeiro evidente. E quando a única saída viável passa a ser o Judiciário, a solução já deixou de ser rápida e barata.

Vale lembrar que o Código Civil permite a redução da cláusula penal quando manifestamente excessiva (art. 413), mas isso depende de decisão judicial — e, portanto, de tempo, custo e imprevisibilidade.

  1. Renovação automática com pegadinha

Outro ponto de atenção está nas cláusulas de renovação automática. Muitos contratos preveem que, ao final do prazo estipulado, o vínculo será renovado por igual período, caso nenhuma das partes se manifeste dentro de um certo prazo — que, não raramente, ultrapassa 60 ou até 90 dias.

O problema aqui é duplo: além de prender a empresa a um contrato que já não lhe serve, muitas vezes o contratante também não tem mais controle sobre as condições econômicas envolvidas, como valores reajustados, alterações de escopo e obrigações colaterais.

Por isso, é fundamental inserir lembretes internos de vencimento contratual e negociar prazos razoáveis para eventual denúncia do contrato, ou então não contratar cláusula dessa espécie.

  1. Foro distante e desfavorável

A eleição de foro — ou seja, o local onde eventuais ações judiciais serão ajuizadas — é um dos pontos mais negligenciados pelos contratantes. Quando o contrato prevê foro em outro estado (ou até em outra região do mesmo estado), isso pode inviabilizar ou dificultar a defesa da empresa em caso de litígio.

E a escolha do foro raramente é neutra: muitas vezes ela reflete o interesse de quem redigiu o contrato. A consequência é prática: para se defender, será necessário contratar advogados locais, arcar com deslocamentos ou correr o risco de ser condenado à revelia por não comparecer à audiência designada.

Nos contratos firmados entre partes de regiões distintas, o ideal é que se busque equilíbrio — seja com o foro da sede do contratante, seja com cláusulas de mediação ou arbitragem previamente ajustadas.

  1. Responsabilidades amplas (e ocultas)

Nem sempre as cláusulas problemáticas aparecem de forma explícita. Há contratos que atribuem à parte contratante uma série de responsabilidades — inclusive solidárias — em relação a terceiros, fornecedores, encargos ou até obrigações ambientais ou trabalhistas.

É o caso de cláusulas genéricas como: “o contratante responderá por quaisquer encargos decorrentes da execução do objeto contratual, ainda que atribuídos a terceiros”. A depender do contexto, isso pode implicar em responder judicialmente por fatos que fogem completamente ao seu controle — como encargos gerados por subcontratadas, danos causados por terceiros e até multas administrativas.

Por isso, sempre que possível, as obrigações devem ser claramente delimitadas, inclusive com a menção de que a parte contratante não responde por atos fora de sua alçada.

É possível, ainda, estipular limitação de responsabilidade, visando proteger financeiramente a parte que eventualmente der causa a alguma espécie de prejuízo.

  1. Renúncia a direitos legais

Embora a liberdade contratual seja ampla, ela encontra limites na legislação. Ainda assim, é comum ver contratos que tentam impor renúncia a direitos que, por lei, são indisponíveis.

Essa prática é particularmente comum em contratos com cláusulas pré-elaboradas por grandes fornecedores ou plataformas digitais. E, apesar de ser possível questionar tais cláusulas no Judiciário, o simples fato de elas estarem previstas gera insegurança jurídica e pode desestimular a adoção de medidas corretivas imediatas.

  1. Cláusulas “coringa” que geram obrigações ilimitadas

Uma variação bastante arriscada são as chamadas cláusulas “coringa”, que atribuem à empresa contratante o dever de assumir “todas as providências necessárias para o cumprimento do objeto contratual”, sem delimitar escopo, prazo ou custo.

Esse tipo de redação costuma ser encontrada em contratos de prestação de serviços, parcerias ou cessões, e cria um terreno fértil para a ampliação arbitrária de obrigações — o que pode comprometer o orçamento e até inviabilizar o cumprimento do contrato.

Conclusão: prevenir é sempre mais barato que remediar

A análise contratual não é uma mera formalidade. É uma etapa essencial do processo de tomada de decisão — especialmente em tempos em que as relações comerciais são cada vez mais complexas e dinâmicas.

Contratos são, por definição, instrumentos de alocação de riscos. Quando bem redigidos, oferecem segurança, previsibilidade e eficiência. Mas, quando mal compreendidos ou negligenciados, tornam-se fontes de disputas, desgaste comercial e prejuízo financeiro.

O ideal é que a assinatura de qualquer contrato — mesmo os “simples” — seja precedida de uma análise jurídica, por alguém que consiga identificar riscos ocultos e sugerir os ajustes necessários. O custo de uma revisão preventiva é irrisório diante do potencial prejuízo de uma cláusula mal redigida ou interpretada.

No fim das contas, a máxima “assinei sem ler” não encontra respaldo na jurisprudência — e tampouco serve de escudo quando o problema já está posto. No universo contratual, assinar é concordar — e é exatamente por isso que cada cláusula deve ser tratada com a importância que merece.

 

César Almeida Bertoldi – OAB/PR nº 90.452

Postado em: Notícias STJ

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