Em meio à rotina acelerada dos negócios, infelizmente é compreensível que o empresário acabe deixando o jurídico “em segundo plano” — especialmente quando se trata de contratos padronizados ou relações já conhecidas. Não é raro que documentos importantes sejam assinados com base na confiança entre as partes, sem que haja uma leitura atenta das cláusulas.
O problema é que o contrato, ainda que oriundo de uma relação aparentemente simples ou informal, produzirá todos os efeitos previstos em sua redação. E, quando surgem os primeiros conflitos, é nele que estarão os limites — ou as ausências — daquilo que pode ser exigido ou questionado judicialmente.
Mais do que um alerta, este artigo é um convite à prevenção. Afinal, contratos mal lidos, mal assinados ou mal compreendidos podem gerar passivos inesperados, desgaste com fornecedores ou parceiros e até bloqueios judiciais. A seguir, elencamos algumas cláusulas que, apesar de parecerem banais, podem gerar grandes prejuízos quando não observadas com atenção.
A estipulação de multa por inadimplemento ou rescisão é legítima. Contudo, é comum encontrar contratos com penalidades que ultrapassam qualquer razoabilidade — como multas fixadas em 50% do valor total do contrato, mesmo que já parcialmente cumprido.
Essas penalidades, na prática, coíbem a revisão ou o rompimento do contrato, mesmo em situações de desequilíbrio econômico-financeiro evidente. E quando a única saída viável passa a ser o Judiciário, a solução já deixou de ser rápida e barata.
Vale lembrar que o Código Civil permite a redução da cláusula penal quando manifestamente excessiva (art. 413), mas isso depende de decisão judicial — e, portanto, de tempo, custo e imprevisibilidade.
Outro ponto de atenção está nas cláusulas de renovação automática. Muitos contratos preveem que, ao final do prazo estipulado, o vínculo será renovado por igual período, caso nenhuma das partes se manifeste dentro de um certo prazo — que, não raramente, ultrapassa 60 ou até 90 dias.
O problema aqui é duplo: além de prender a empresa a um contrato que já não lhe serve, muitas vezes o contratante também não tem mais controle sobre as condições econômicas envolvidas, como valores reajustados, alterações de escopo e obrigações colaterais.
Por isso, é fundamental inserir lembretes internos de vencimento contratual e negociar prazos razoáveis para eventual denúncia do contrato, ou então não contratar cláusula dessa espécie.
A eleição de foro — ou seja, o local onde eventuais ações judiciais serão ajuizadas — é um dos pontos mais negligenciados pelos contratantes. Quando o contrato prevê foro em outro estado (ou até em outra região do mesmo estado), isso pode inviabilizar ou dificultar a defesa da empresa em caso de litígio.
E a escolha do foro raramente é neutra: muitas vezes ela reflete o interesse de quem redigiu o contrato. A consequência é prática: para se defender, será necessário contratar advogados locais, arcar com deslocamentos ou correr o risco de ser condenado à revelia por não comparecer à audiência designada.
Nos contratos firmados entre partes de regiões distintas, o ideal é que se busque equilíbrio — seja com o foro da sede do contratante, seja com cláusulas de mediação ou arbitragem previamente ajustadas.
Nem sempre as cláusulas problemáticas aparecem de forma explícita. Há contratos que atribuem à parte contratante uma série de responsabilidades — inclusive solidárias — em relação a terceiros, fornecedores, encargos ou até obrigações ambientais ou trabalhistas.
É o caso de cláusulas genéricas como: “o contratante responderá por quaisquer encargos decorrentes da execução do objeto contratual, ainda que atribuídos a terceiros”. A depender do contexto, isso pode implicar em responder judicialmente por fatos que fogem completamente ao seu controle — como encargos gerados por subcontratadas, danos causados por terceiros e até multas administrativas.
Por isso, sempre que possível, as obrigações devem ser claramente delimitadas, inclusive com a menção de que a parte contratante não responde por atos fora de sua alçada.
É possível, ainda, estipular limitação de responsabilidade, visando proteger financeiramente a parte que eventualmente der causa a alguma espécie de prejuízo.
Embora a liberdade contratual seja ampla, ela encontra limites na legislação. Ainda assim, é comum ver contratos que tentam impor renúncia a direitos que, por lei, são indisponíveis.
Essa prática é particularmente comum em contratos com cláusulas pré-elaboradas por grandes fornecedores ou plataformas digitais. E, apesar de ser possível questionar tais cláusulas no Judiciário, o simples fato de elas estarem previstas gera insegurança jurídica e pode desestimular a adoção de medidas corretivas imediatas.
Uma variação bastante arriscada são as chamadas cláusulas “coringa”, que atribuem à empresa contratante o dever de assumir “todas as providências necessárias para o cumprimento do objeto contratual”, sem delimitar escopo, prazo ou custo.
Esse tipo de redação costuma ser encontrada em contratos de prestação de serviços, parcerias ou cessões, e cria um terreno fértil para a ampliação arbitrária de obrigações — o que pode comprometer o orçamento e até inviabilizar o cumprimento do contrato.
Conclusão: prevenir é sempre mais barato que remediar
A análise contratual não é uma mera formalidade. É uma etapa essencial do processo de tomada de decisão — especialmente em tempos em que as relações comerciais são cada vez mais complexas e dinâmicas.
Contratos são, por definição, instrumentos de alocação de riscos. Quando bem redigidos, oferecem segurança, previsibilidade e eficiência. Mas, quando mal compreendidos ou negligenciados, tornam-se fontes de disputas, desgaste comercial e prejuízo financeiro.
O ideal é que a assinatura de qualquer contrato — mesmo os “simples” — seja precedida de uma análise jurídica, por alguém que consiga identificar riscos ocultos e sugerir os ajustes necessários. O custo de uma revisão preventiva é irrisório diante do potencial prejuízo de uma cláusula mal redigida ou interpretada.
No fim das contas, a máxima “assinei sem ler” não encontra respaldo na jurisprudência — e tampouco serve de escudo quando o problema já está posto. No universo contratual, assinar é concordar — e é exatamente por isso que cada cláusula deve ser tratada com a importância que merece.
César Almeida Bertoldi – OAB/PR nº 90.452
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