Quando descumprido um negócio jurídico estabelecido entre duas partes, tornando-se uma delas credora e, a outra, devedora, é comum nos depararmos com a tentativa de se esquivar da obrigação por aquele que está em débito.
No entanto, por mais inusitado que possa soar, ocasionalmente se verifica a situação oposta: a dificuldade do devedor em dar por cumprida a sua dívida, seja por dúvida sobre quem possa ser o credor, por recusa desse em receber o pagamento, ou até mesmo pela discordância entre as partes sobre o objeto inadimplido.
Nesse cenário, o ordenamento jurídico regulamenta a Consignação em Pagamento, instrumento capaz de regularizar a quitação pelo devedor. Portanto, quando o credor está em mora na aceitação ou no recebimento do pagamento (mora accipiendi), mas também em hipóteses de dúvida quanto a quem deve pagar ou quando há litígio quanto ao cumprimento correto da obrigação, segundo as hipóteses elencadas no artigo 335 do Código Civil1, aplica-se o instituto da consignação em pagamento.
Diante de tal dificuldade, a Consignação em Pagamento permitirá àquele que está em dívida afastar os juros de mora, a correção monetária e sua responsabilidade diante de eventuais riscos ou danos, bem como extinguirá o vínculo, a obrigação, para com o credor.
Dessa maneira, tal procedimento pode se dar de duas formas: Judicial, através da propositura da Ação na justiça comum; ou Extrajudicial, mediante depósito em instituição financeira pública (Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal), conforme estabelece o artigo 1º da Resolução nº 2.814/2001 do Banco Central do Brasil2.
Ambas as hipóteses permitirão ao devedor cessar a mora que incide sobre sua dívida, mas a Extrajudicial, que parece passar despercebida apesar de seus 24 anos de vigência, pode ser a alternativa mais célere e acessível para a solução do conflito, conforme será desenvolvido a seguir.
Importante destacar, porém, que apesar de poder haver empecilho na quitação de obrigações relativas à, por exemplo, entrega de coisa, a Consignação em Pagamento Extrajudicial só é possível quando se tratar de
1 Art. 335. A consignação tem lugar:
2 Art. 1º Estabelecer que é obrigatório o acolhimento de depósitos de consignação em pagamento de que trata a Lei nº. 8.951, de 13 de dezembro de 1994, por parte de instituições financeiras públicas.
obrigações de pagar quantia, visto que é feita através de depósito bancário, não comportando a consignação de coisa móvel.
Assim, o devedor ou até mesmo terceiro interessado (como o adquirente de bem dado em garantia, por exemplo) poderá se dirigir à instituição financeira pública do local do pagamento – que, se não houve fixação prévia pelas partes, será no local de domicílio do devedor – e, após o pagamento de uma tarifa que poderá ser fixada a critério do banco pelo serviço que será prestado, depositará o valor que considera devido em nome do credor.
Em seguida, observando o disposto nos parágrafos do artigo 539 do Código de Processo Civil3, o estabelecimento bancário notificará pessoalmente o credor que, por sua vez, poderá aceitar, permanecer inerte ou recusar o depósito, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias – é por essa razão, inclusive, que incabível também a Consignação Extrajudicial nos casos em que o credor é desconhecido ou se encontra em local incerto, pois a notificação realizada pelo banco será pessoal, para a pessoa certa no endereço conhecido.
Dessa forma, em caso de recusa tempestiva por parte do credor, o devedor terá o prazo de 1 (um) mês para ingressar com a Consignação em Pagamento Judicial, a fim de que os benefícios do depósito efetuado possam ser aproveitados. A propositura da ação dentro desse período permite, portanto, a manutenção dos efeitos da consignação na instituição financeira.
Se passado, no entanto, tal prazo, o procedimento Judicial ainda poderá ser realizado pelo devedor, mas os benefícios do depósito Extrajudicial previamente realizado não poderão ser aproveitados, visto que retornará a incidência de juros de mora, correção monetária e possível multa.
Ademais, quando ingressada a demanda judicial – seja dentro de 1 (um) mês ou não –, é salutar que seja expedido ofício ao banco para que seja feita a transferência do valor então depositado para a conta vinculada ao juízo, de modo que a quantia paga seja atualizada e renda monetariamente.
Todavia, caso haja inércia do credor sem a sua manifestação de recursa do montante nos 10 (dez) dias conferidos pela lei, o valor consignado será tido como completo, ou seja, é presumida a sua aceitação por inteiro, não cabendo qualquer cobrança posterior por quantia eventualmente considerada insuficiente, o que pode configurar em recebimento de valor menor do considerado correto pelo credor.
3 Art. 539. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.
Nessa senda, o montante depositado e inalterado permanecerá à sua disposição para levantamento, de modo que a dívida será dada por adimplida e o devedor será considerado como livre da obrigação.
Cumpre apenas mencionar, por fim, que a Consignação em Pagamento Extrajudicial não é cabível quando o credor é a Fazenda Pública, tendo em vista que qualquer funcionário ou servidor da administração pública pode receber a notificação enviada pelo estabelecimento bancário, prejudicando a tomada de conhecimento do depósito, pelos agentes da Receita, antes do prazo de 10 (dez) dias.
Em suma, portanto, em se tratando de obrigações de pagar quantia em que o credor não comparece para receber, se recusa a aceitar o pagamento ou dar quitação, ou havendo discordância entre as partes quanto ao montante exato da dívida, a Consignação em Pagamento Extrajudicial se mostra como uma alternativa de autotutela do devedor, coberta por segurança jurídica, e que proporciona agilidade e menor onerosidade àquele que busca quitar a sua obrigação.
Imperioso, porém, manter-se sempre atento aos prazos estabelecidos por lei, principalmente em caso de recusa ao valor consignado na instituição financeira, visto que, como credor, pode ser tacitamente aceita quantia menor da considerada devida e, como devedor, é conferido apenas 1 (um) mês para a propositura da ação judicial sem que incida novamente a mora.
Nina Dall’Oglio Kras
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