Transações imobiliárias sem barreiras: CNJ proíbe exigência de CND Tributária

  • Por:Cunha de Almeida
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Em setembro de 2025, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) consolidou entendimento de grande repercussão prática para o mercado imobiliário: cartórios e tribunais em todo o país não podem condicionar a lavratura, o registro ou a averbação de escrituras públicas de compra e venda de imóveis à apresentação de certidões negativas de débitos tributários (CND) ou certidões positivas com efeito de negativa (CPEN).

A decisão foi proferida no Procedimento de Controle Administrativo nº 0001611-12.2023.2.00.0000, relatado pelo conselheiro Marcello Terto, e reafirma orientação já firmada tanto na Suprema Corte quanto no próprio CNJ. Em síntese, a exigência de certidões fiscais como requisito para a prática de atos notariais e registrais foi considerada uma forma indireta de cobrança de tributos, caracterizando sanção política tributária e violando princípios constitucionais.

Importante esclarecer que a vedação recai exclusivamente sobre as certidões de débitos tributários — federais, estaduais ou municipais. Não estão abrangidas pela decisão outras certidões de natureza cível, trabalhista ou criminal, que podem ser exigidas em contextos distintos.

Contexto da controvérsia

Diversos atos normativos estaduais e municipais vinham impondo que, para lavrar ou averbar uma escritura de compra e venda, fosse necessária a apresentação de CND ou CPEN. Essa prática colocava em risco a fluidez das transações imobiliárias, ao transferir para o comprador a responsabilidade de comprovar a regularidade fiscal do vendedor, mesmo quando os débitos não guardavam relação direta com o imóvel.

Segundo o conselheiro relator, essa sistemática convertia-se em verdadeiro “impedimento político” ao direito de propriedade, na medida em que criava restrição indireta ao exercício de um direito fundamental.

Fundamentos da decisão do CNJ

O Plenário do CNJ foi categórico ao afirmar: “É vedado […] exigir a apresentação de certidões negativas de débitos tributários — federais, estaduais ou municipais — como condição à lavratura, registro ou averbação de escritura pública de compra e venda de imóvel, por configurar sanção política tributária”.

Contudo, a decisão também fixou distinção prática relevante: as certidões fiscais podem ser solicitadas com caráter meramente informativo, de modo a garantir transparência ao adquirente, mas não podem constituir obstáculo à prática do ato registral.

O conselheiro Marcello Terto resumiu essa lógica: “É importante para a segurança do negócio que o comprador conheça a situação fiscal de quem vende. Positiva ou negativa, essa informação deve estar disponível. O que não se pode é condicionar o registro à inexistência de débitos”.

Diálogo com a jurisprudência do STF

A decisão do CNJ encontra respaldo direto em precedentes do Supremo Tribunal Federal, especialmente a ADI 394/DF, que declarou inconstitucionais as sanções políticas que condicionavam a prática de atos civis e econômicos à quitação prévia de tributos.

Além disso, o Supremo já pacificou o tema em súmulas de efeito vinculante. As Súmulas 70, 323 e 547 reafirmam que é inconstitucional ao poder público criar meios coercitivos de cobrança tributária que restrinjam direitos fundamentais, como o de propriedade (art. 5º, XXII, da CF).

Reflexos práticos da decisão

A decisão traz impactos positivos e imediatos:

  • Para o comprador: elimina-se a burocracia da obtenção de certidões fiscais do alienante, agilizando a conclusão do negócio e reduzindo custos.
  • Para o vendedor: assegura-se a possibilidade de alienar o imóvel mesmo diante de pendências fiscais pessoais, que devem ser cobradas pela Fazenda Pública em execução fiscal.
  • Para o mercado imobiliário: fortalece-se a circulação da propriedade e a segurança jurídica, essenciais ao dinamismo do setor.

Apoio no Código Civil e no CPC

O art. 108 do Código Civil dispõe que a validade da transmissão de direitos reais sobre imóveis depende da escritura pública quando o valor do bem superar trinta salários mínimos. A lei não autoriza a imposição de outros requisitos, como a apresentação de certidões tributárias.

No campo processual, o art. 8º do Código de Processo Civil determina que a aplicação da lei deve observar os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, legalidade e eficiência. A imposição de certidões fiscais como condição à prática de atos notariais e registrais contraria diretamente esses princípios.

Equilíbrio entre transparência e não obstrução

O CNJ reconheceu que é legítimo ao adquirente conhecer a situação fiscal do alienante. Contudo, a transparência não pode se transformar em barreira jurídica. Ao permitir que as certidões sejam solicitadas apenas como informação, a decisão garante equilíbrio entre a boa-fé objetiva nas relações negociais e a preservação do direito de propriedade.

Conclusão

A decisão do CNJ marca importante avanço na proteção do direito de propriedade e na eficiência dos registros públicos. Ao afastar a exigência de certidões negativas tributárias como condição para a lavratura, o registro ou a averbação de escrituras de compra e venda de imóveis, o Conselho reafirma que a cobrança de tributos deve seguir o devido processo legal, e não por mecanismos indiretos.

Nas palavras do relator: “Qualquer norma estadual ou municipal que tente impor essa exigência é considerada inválida”.

Com isso, assegura-se maior fluidez ao mercado imobiliário brasileiro, ao mesmo tempo em que se preserva a necessária transparência fiscal, sem comprometer a circulação da propriedade e a segurança dos negócios jurídicos.

Por fim, registra-se a necessidade dos Códigos de Normas dos Tribunais Estaduais serem atualizados, para cumprirem a determinação ora colacionada.

 

Mathias Menna Barreto Monclaro

 

Postado em: Notícias STJ

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