A DOAÇÃO DE BENS COM CLÁUSULAS RESTRITIVAS PARA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO FAMILIAR

  • Por:Cunha de Almeida
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Por Marcella Cavallin Veloso

 

A doação é uma das formas mais comuns de transferência de patrimônio, sendo definida como uma liberalidade do doador que transfere seus bens e/ou direitos a outra pessoa, escolhida por ele. Além da transferência de bens propriamente dita, esse instituto é muito utilizado também com o intuito de proteger o patrimônio familiar. Antes de adentrarmos no tema em si, é necessário lembrar que o patrimônio a ser doado só poderá abranger 50% dos bens do doador e, ultrapassada essa porcentagem, invade-se a chamada “legítima”, a parte que obrigatoriamente deverá ser resguardada para eventual e futuro recebimento de herança pelos herdeiros necessários.

Assim, para obter a almejada proteção do patrimônio familiar, o doador poderá impor restrições sobre os bens que serão passados aos donatários (beneficiário) com a utilização de cláusulas como as de (i) inalienabilidade, (ii) incomunicabilidade e (iii) impenhorabilidade.

A cláusula de inalienabilidade limita o direito do próprio beneficiário, já que impede que o bem seja alienado, ou seja, transferido a terceiros. A inalienabilidade inclui a proibição de vender, doar, dar em pagamento, dentre outras formas de disposição patrimonial. Nota-se que são inúmeros os motivos que justificam a utilização dessa hipótese: a vontade de manter o bem no patrimônio da família, como no caso de objetos de colecionador ou até mesmo evitar a dilapidação patrimonial pelo novo proprietário do bem.

É o próprio Código Civil que ressalta a importância da cláusula de inalienabilidade: o art. 1911 dispõe que, quando há sua imposição por ato de liberalidade do doador, são aproveitados também os efeitos das chamadas cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade, que serão exploradas adiante. Assim, quando o bem não pode ser alienado em razão da mencionada cláusula, também não poderá ser penhorado e não terá comunicação com o patrimônio do cônjuge.

Por outro lado, pode-se utilizar somente das cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade de forma autônoma, moderando os efeitos amplos da cláusula de inalienabilidade.

Assim, no que tange à cláusula de incomunicabilidade, essa trata sobre a proteção do bem em face do cônjuge ou companheiro do beneficiário que o recebe. Isso porque, com a sua imposição, o bem recebido não poderá se comunicar com o patrimônio do companheiro. Essa “comunicação” é relativa à eventual necessidade de partilha de bens em caso de divórcio. Por exemplo, quando há cláusula de incomunicabilidade, independentemente do regime patrimonial escolhido pelo casal, não haverá divisão do bem – inclusão do bem no patrimônio comum dos cônjuges – em respeito à vontade do doador, até o fim da vida do beneficiário.

Evita-se, assim, sua perda em caso de divórcio, já que o bem é exclusivo do cônjuge beneficiário da doação. Em que pese a maioria das hipóteses de regime de bens exclua a comunicabilidade de bens recebidos por meio de doação, essa cláusula é extremamente eficaz no regime de comunhão universal de bens. Essa disposição, por outro lado, é irrelevante quando o regime de bens do casal for o de separação obrigatória de bens, nos termos do art. 1.641, II, do Código Civil.

Entretanto, importante mencionar que a cláusula de incomunicabilidade não possui efeito Direto das Sucessões, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Ocorre que, em caso de morte do cônjuge beneficiário da doação, o cônjuge sobrevivente herdará seus bens, inclusive aqueles com a mencionada cláusula.

Por fim, a imposição de cláusula de impenhorabilidade, por sua vez, é aquela que reitera a vontade do doador de que o bem não seja afastado do patrimônio do beneficiário, pois mesmo com a existência de credores, não poderá sofrer os efeitos de eventual penhora.

Deve-se cuidar, porém, para que a doação não seja considerada como fraude contra credores, ou seja, o doador não poderá se utilizar de tal cláusula restritiva a fim de esconder patrimônio em prejuízo de seus credores. Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que, se o bem doado pelo devedor for considerado como bem de família e a doação for para fins de fixação de moradia do núcleo familiar do doador, afasta-se a incidência da fraude, tornando o bem impenhorável, não pela aplicação da cláusula em si, mas pela reconhecida caracterização como bem de família, protegido pela Lei 8.009/1990.

Dessa maneira, ressalte-se que qualquer ato do beneficiário que seja contrário às cláusulas restritivas é considerado nulo. Há, em contrapartida, formas de contornar as limitações, caso seja essa a vontade do doador/donatário.

Caso o doador esteja vivo, poderá alterar a disponibilidade do bem, autorizando sua alienação por meio da alteração da escritura pública que restringiu a utilização do patrimônio. Outra forma seria a sub-rogação do bem pelo donatário, ou seja, a transferir a cláusula do bem doado para outro, de igual ou maior valor, também de sua titularidade. Por último, pode-se utilizar da via judicial para derrubar a restrição se há justo motivo para o pedido do novo proprietário, como a oneração excessiva para manter o bem em bom estado.

Ainda, há diversas outras formas de limitar a utilização do bem pelo donatário, a título exemplificativo: (i) a aplicabilidade de cláusula de usufruto vitalício; (ii) doação com cláusula de reversão; (iii) fideicomisso e; (iv) doação a termo.

À vista disso, deve-se analisar as necessidades e particularidades da relação entre doador e beneficiário para que possam ser tomadas todas as medidas cabíveis no momento da disposição patrimonial. Ademais, todo o cenário deve ser levado em consideração, a fim de evitar que a restrição do bem ao invés de beneficiar, prejudique quem o recebe. Tais cláusulas, desse modo, devem ser utilizadas estrategicamente, possibilitando a eventual manutenção do patrimônio para subsistência futura do núcleo familiar, protegendo não o patrimônio em si, mas as pessoas queridas pelo doador.

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Recurso Especial n° 1.552.553 – RJ (2014/0289212-8); Recurso Especial n° 1641549 – RJ (2014/0118574-4) e Recurso Especial nº 16

RECURSO ESPECIAL Nº 1.926.646 – SP (2020/0335315-4)

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Na qual o beneficiário deverá cumprir uma condição imposta pelo doador a fim de receber a propriedade

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