A locação de unidade de condomínio residencial pelo sistema “airbnb” – entraves jurídicos

  • Por:Cunha de Almeida
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As plataformas digitais para reserva de hospedagem de curta duração facilitam o acesso a acomodações residenciais únicas, disponibilizadas sem caráter profissional por seus titulares a viajantes, os quais almejam uma maneira simples e econômica para estalagem de turismo ou trabalho.

Nesse contexto, a enorme demanda por alojamentos que atendam a tais características alcança os mais variados níveis de conforto e localização, significando atrativa possibilidade de auferir ou complementar a renda para os chamados “anfitriões”, mediante um modelo de negócio descomplicado e com formalidades diminutas.

Ocorre que essa facilidade tem levado titulares de unidades de condomínios residenciais a também oferecerem seus espaços nessas plataformas, o que tem sido recebido de forma negativa pela vizinhança respectiva, ao argumento de que a alta rotatividade de pessoas estranhas, sem qualquer vínculo ao condomínio, representaria uma potencial ameaça à segurança, privacidade e sossego da sua vida habitual, transgredindo a normatividade da Convenção de Condomínio, quando esta impõe destinação exclusivamente residencial às suas unidades.

Por sua vez, o titular do espaço a ser “locado” alega estar no regular exercício do direito de propriedade, instaurando-se, com isso, o conflito de interesses acerca da possibilidade de um imóvel situado em condomínio residencial ser oferecido à hospedagem temporária no formato proposto pelas plataformas digitais, a exemplo do Airbnb.

A judicialização de um desses casos alcançou o Superior Tribunal de Justiça em sede recursal, provocando o órgão pretoriano a se posicionar sobre o tema, o qual, a propósito, ainda não dispõe de legislação regulamentar específica.

Trata-se do Recurso Especial nº 1819075/RS, interposto por proprietários (mãe e filho) de duas unidades de um condomínio residencial, contra Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o qual, confirmando a Sentença, afastou a possibilidade de ser promovida a aludida locação naquela entidade condominial.

Ao julgar o recurso, em abril de 2021, a 4ª Turma da Corte Superior de Justiça decidiu, por maioria de votos, que caso a Convenção do Condomínio preveja a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderão “alugá-las” no sistema de hospedagem remunerada, de curta temporada, como o Airbnb.

Isso porque, nos termos da decisão mencionada, especialmente pela alta rotatividade de pessoas diversas, essa modalidade de hospedagem não se amolda nos conceitos de domicílio e residência, prevalecendo, portanto, a autonomia e força da normativa condominial quando impõe o uso exclusivamente residencial das unidades.

Nesse sentido extraem-se os seguintes trechos da ementa do Acórdão:

 

1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem.

(…)

  1. O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV).”

 

Ademais, além de destacar a atipicidade desses contratos, pois não se enquadrariam nas relações abrangidas pela Lei do Inquilinato nº 8.245/91 e, tampouco, dentre os meios usuais de hospedagem com caráter comercial, como hotéis e pousadas, o Ministro Raul Araújo, autor do voto vencedor, fez constar que o direito do proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente de sua propriedade deve ser exercido em harmonia com os direitos dos demais condôminos, especialmente aqueles relativos à segurança, ao sossego e à saúde. Veja-se:

 

“2. Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo.

(…)

  1. Diferentemente do caso sob exame, a locação por temporada não prevê aluguel informal e fracionado de quartos existentes num imóvel para hospedagem de distintas pessoas estranhas entre si, mas sim a locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias.
  2. Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisora de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008.
  3. O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício.”

 

Válido observar, contudo, que ao final do julgamento, a Corte Superior ressalvou a possibilidade de utilização de unidades de condomínios residenciais para hospedagem atípica, como o caso do Airbnb, desde que seja objeto de deliberação em assembleia, com aprovação por maioria qualificada, ou seja, dois terços das frações ideais, consoante previsto pelo Código Civil.

Tal entendimento foi o mesmo adotado pela 3ª Turma do Órgão ao julgar, no último dia 23 de novembro, outro caso com discussão semelhante.

Com isso, lastreado em elementos técnicos e conceituações exercidas com base em seu costumeiro bom senso, os precedentes oriundos do Superior Tribunal de Justiça servirão de norte para solução dos conflitos de tal natureza, até que haja legislação, de cunho regulamentar ou não.

A propósito, tramita perante o Senado Federal o Projeto de Lei nº 2.474/2019, de iniciativa do Senador Angelo Coronel (PSD/BA), cujo objeto é alterar a Lei do Inquilinato, para exigir expressa previsão na Convenção de Condomínio para a locação para temporada, contratada por meio de aplicativos ou plataformas de intermediação em condomínios.

Vale recordar, por fim, que segundo pesquisa feita pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), publicada pela Revista Exame no já longínquo ano de 2017, somente no ano de 2016 os serviços prestados via plataforma digital Airbnb representaram 0,04% do total do PIB brasileiro. “Foram 2,5 bilhões a mais na economia do país”, assentou a reportagem.

Além disso, segundo a publicação, “o turista que se hospeda em um dos locais disponíveis na plataforma gasta cerca de três vezes mais que aquele que se hospeda em hotéis. Eles costumam passar mais tempo no destino e consumir mais nos comércios de bairro”, dados que corroboram a relevância social e econômica do tema.

Diante da gradual flexibilização das medidas restritivas de contenção à pandemia, a reabertura das fronteiras e consequente reaquecimento do setor de turismo virão acompanhados desse relevante posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca da atividade correlata sob enfoque, de modo que as soluções aos futuros conflitos deverão sopesar o entendimento uníssono entre as Turmas de Direito Privado daquela Corte.

 

 

João Otávio Simões Pinto Dalloso

Advogado

OAB-PR nº 45.004

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