Ex-sócio responde por dívida assumida solidariamente após o prazo de 02 anos?

  • Por:Cunha de Almeida
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Artigo escrito por Mathias Monclaro

 

​​​​Em recente precedente, publicado em setembro de 2021, a partir do julgamento do Recurso Especial n. 1.901.918/PR, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou orientação convergente com a posição deste subscritor, pacificando discussões correlatas, no sentido de que o ex-sócio que tenha firmado títulos de crédito na condição de devedor solidário com a sociedade, perdurará como responsável pelo adimplemento de aludida obrigação, mesmo após o prazo de dois anos de sua retirada.

Em síntese, o caso levado à apreciação daquela Corte Superior tinha por norte a interpretação do artigo 1.003, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro, que assim dispõe:

“Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

A dúvida interpretativa surgiu de um julgado proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, quando essa Corte houve por bem reconhecer a ilegitimidade passiva de uma devedora, posto que já havia se retirado do quadro social há mais de 02 (dois) anos do momento em que houve a execução da cédula de crédito bancário (CCB), onde assumira como solidariamente responsável à sua antiga empresa.

No entender do Tribunal paranaense, em virtude da aplicação do já reproduzido artigo de Lei, a moldura fática do caso ocasionaria a liberação da responsabilidade solidária da mencionada devedora, posto que o lapso temporal serviria como instrumento excludente da solidariedade.

No entanto, com o costumeiro zelo, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, a partir do voto da Ministra Nancy Andrighi, reformou aquele entendimento, indo ao encontro da orientação doutrinária, estabelecendo que as disposições do artigo 1.003, assim como aquela correlata, prevista no art. 1.032, servem de instrumentos vinculados a relações interna corporis, isto é, diretamente à reponsabilidade dos sócios pelas obrigações que detém na condição de quotistas, à exemplo da necessidade de integralização do Capital Social, como bem explicitado pela Relatora:

“Em suma, as obrigações que geram solidariedade entre cedente e cessionário, para fins do art. 1.003, parágrafo único, do CC são aquelas de natureza objetiva que se vinculam diretamente às quotas sociais, não estando compreendidas nesta hipótese as obrigações de caráter subjetivo do sócio, resultantes do exercício de sua autonomia privada ou da prática de ato ilícito.”

Por esse motivo, o colegiado da 3ª Turma deu provimento ao Recurso Especial em voga, mantendo a Executada no polo passivo da demanda, ao pressuposto de que a assunção de responsabilidade solidária decorre de uma livre manifestação de vontade do agente, circunstância que se afasta das obrigações que a devedora praticava exclusivamente “na condição de sócia”, inexistindo, assim, justo motivo para abduzir seu ônus financeiro.

A título de reforço, interessante observar que constou do profícuo voto da Relatora o registro de que a responsabilidade pelo pagamento da dívida ocasiona a aplicação das normas insculpidas no Código Civil sobre a solidariedade, em especial aquelas estampadas nos artigos 264265 e 275, jamais sendo aplicável à hipótese a excludente estampada no artigo 1.003, parágrafo único.

Ao firmar referida orientação, o STJ torna mais eficiente a medida executiva, assegurando credores que pretendem, tão somente, solução definitiva ao adimplemento de seus créditos.

De igual sorte, resta devidamente sanada eventual dúvida interpretativa que porventura restasse a propósito da exclusão de responsabilidade do ex-sócio após o prazo de dois anos, circunstância que somente se verificará na hipótese de responsabilidades exercidas na condição de sócio, o que não se perfectibiliza nas relações materiais mantidas com terceiros.

A título de reforço do que se narra, é de se observar que já em 2019, o Colendo Superior Tribunal de Justiça apreciou temática assemelhada, contudo sob enfoque diverso, isto no julgamento do REsp n. 1.537.521, quando assim fixou o Ministro Ricardo Villas Boas Cueva a propósito dos artigos 1.003, 1.032 e 1.057 do Código Civil:

“A interpretação dos dispositivos legais transcritos conduz à conclusão de que, na hipótese de cessão de cotas sociais, a responsabilidade do cedente pelo prazo de até dois anos após a averbação da modificação contratual restringe-se às obrigações sociais contraídas no período em que ele ainda ostentava a qualidade de sócio, ou seja, antes da sua retirada da sociedade”

Em resumo, o que se identifica dos casos citados neste breve artigo é que a orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça vem se mostrando sólida no sentido de respeitar integralmente as disposições legais, tornando cada vez mais integro o respeito aos títulos executivos e, ainda, a intenção das Partes.

 

Em verdade, se acaso o posicionamento adotado fosse aquele externado pela Corte paranaense, mencionado acima, restaria ceifada a livre pactuação das partes celebrantes do título executivo, circunstância apta, ainda, a desrespeitar até mesmo as recentes disposições da Lei de Liberdade Econômica, vigentes desde 2019, que, dentre severas modificações ao diploma Civil, estabelece o seguinte sobre as interpretações dos negócios jurídicos:

 

“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

  • 1º  A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:(…)

V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.”

 

Bem se vê, portanto, a perfeita conclusão adotada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça ao, respeitando o livre pacto firmado, manter a devedora como solidariamente responsável pelo adimplemento do título a que se obrigou particularmente, conjuntamente à companhia que não mais titula.

 

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