Crédito não tributário

Tema 1203 do STJ: Repetitivo discute se seguro garantia ou fiança bancária suspendem exigibilidade de crédito não tributário

  • Por:Cunha de Almeida
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Demonstrada a multiplicidade de processos com idêntica questão de direito, o Superior Tribunal de Justiça determinou a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a matéria e tramitem em todo o território nacional.

Prática comum adotada por sociedades empresárias é a contratação de seguro garantia judicial e fiança bancária para suspensão da exigibilidade de débitos de natureza não tributária, oriundos, em sua grande maioria, de multas por infrações administrativas aplicadas pelo ente público. A contratação da garantia costuma ocorrer tanto em ações anulatórias (para fins de concessão da decisão liminar de suspensão do débito), quanto em execuções fiscais (para fins de suspensão da execução até que seja proferida decisão final na ação anulatória).

Tais garantias são eficientes na redução dos efeitos prejudiciais da penhora ao desonerar os ativos do devedor, sem deixar de assegurar o recebimento do credor em caso de êxito ao final da demanda. Em geral, são oferecidas respeitado o valor atualizado da penalidade, acrescido de 30% (trinta por cento), e com vigência de 05 (cinco) anos.

Diante do teor de dispositivos do Código de Processo Civil e Lei de Execuções Fiscais, somados à jurisprudência dominante do STJ, a linha de defesa sustentada é que na ausência de disciplina específica, devem ser aplicadas as normas do Código de Processo Civil que equiparam ao dinheiro a fiança bancária e o seguro-garantia, e não as do Código Tributário Nacional. Assim, em relação aos débitos de natureza não tributária, o seguro-garantia apresentado em ação anulatória de débito fiscal constitui hipótese de suspensão da sua exigibilidade.

Contudo, há decisões no sentido de que, em regra, se defere a suspensão da exigibilidade mediante o depósito prévio, integral e em dinheiro dos valores em discussão, em analogia ao disposto no art. 151, II, do Código Tributário Nacional. Além disso, tendo em vista que a Lei de Execuções Fiscais não distingue, para efeitos de sua aplicação, a dívida ativa tributária da dívida ativa não-tributária; e a disposição do art. 4º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), de que, quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, as Turmas Administrativas do STJ vêm aplicando, por analogia, a legislação tributária (art. 151 do CTN) no tocante à suspensão da exigibilidade de créditos não tributários, concluindo que o depósito integral do valor do débito em dinheiro é a única modalidade de garantia com o efeito de suspender a exigibilidade.[1]

Em razão da divergência sobre a matéria, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, afetou em 30/06/2023, os recursos especiais nº 2.037.317/RJ, 2.007.865/SP, 2.037.787/RJ e 2.050.751/RJ, originários do e. TRF2 e TRF3, como paradigmas da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1203 – STJ, que submete a julgamento a seguinte questão (delimitação da tese representativa da controvérsia): “definir se a oferta de seguro-garantia ou de fiança bancária tem o condão de suspender a exigibilidade de crédito não tributário”.

De acordo com as Propostas de Afetação, a Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça verificou a existência de, aproximadamente, 25 acórdãos e 518 decisões monocráticas proferidos por Ministros das Primeira e Segunda Turmas, contendo discussão da mesma questão jurídica. Justificou-se, então, a afetação da temática sob o Rito dos Recursos Repetitivos, com determinação de suspensão da tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma matéria e tramitem em todo o território nacional (art. 1.037, II, do CPC).

Logo, a suspensão das ações anulatórias de débito fiscal não tributário que contenham pedido de tutela de urgência para suspensão da exigibilidade, mediante apresentação de apólice de seguro-garantia judicial ou fiança bancária, está em vias de ocorrer, e perdurará, seguindo o rito dos repetitivos, até a publicação da decisão colegiada sobre o tema em seara repetitiva pelo Superior Tribunal de Justiça – o que, na prática, pode se manter por anos. A mesma solução será então aplicada aos demais processos que estiverem suspensos na origem.

Importante comentar que as ações de execuções fiscais e seus decorrentes embargos não são afetados pela suspensão. É que o Tema 1203 tem como escopo ações judiciais que visam suspender a exigibilidade do crédito fiscal não tributário. Nas execuções fiscais, a premissa da ação e de seu processamento é a exigibilidade do crédito. Portanto, as garantias ofertadas pretendem paralisar o processamento da execução, o que não pode ser confundido com a suspensão da exigibilidade do crédito.

Retornando ao ponto central, que a suspensão afeta vários perfis de ações judiciais propostas, disso não há dúvida. A falta de juízo decisório definitivo da controvérsia torna inadmissível a verificação de qualquer irregularidade em decisões proferidas nos processos – sejam contra ou a favor da suspensão da exigibilidade do débito fiscal – até o julgamento dos recursos pelos tribunais superiores.

Como consequência, análise relevante ao devedor diz respeito às ações anulatórias de sanções administrativas, bem como as tutelas antecipadas e preparatórias a tais ações, embasadas no artigo 303 do CPC, tanto em casos já ajuizados ou a ajuizar.

Isso porque para os casos já ajuizados em que há decisão favorável à suspensão da exigibilidade do débito, as ações terão o trâmite suspenso, e, s.m.j., os efeitos da tutela de urgência perdurarão enquanto vigente a apólice de seguro garantia judicial apresentada nos autos, em favor do devedor.

Mas, seguindo o mesmo raciocínio, nos casos já ajuizados em que não há tutela concedida, o processo terá a tramitação suspensa no estado em que se encontra, ou seja, sem a suspensão da exigibilidade do débito objeto da ação, em prejuízo do devedor. Ainda assim, a legislação processual civil, e precedentes do STJ, permitem pleito de concessão de tutela de urgência, a ser verificado caso a caso.

Reforçando essa moldura fática, neste momento é importante traçar estratégias para evitar a incidência da tese representativa da controvérsia e assegurar o prosseguimento dos processos, mantido o direito de expedição de certidão positiva com efeito de negativa, bem como impedida a inscrição do nome do devedor no CADIN ou em outro órgão de cadastro de inadimplentes – ainda que o débito esteja garantido por seguro garantia judicial ou fiança bancária – não só em ações anulatórias nas quais a tutela ainda não foi deferida, mas especialmente aos futuros casos a serem ajuizados, evitando-se, sobremaneira, a alternativa penosa do depósito em dinheiro dos valores relativos ao crédito fiscal não tributário.

 

LETICIA FERRARINI

Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Especialista em Direito Empresarial e Civil Contemporâneo Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDCONST). Especialista em Processo Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Cursa MBA em Gestão de Negócios na Universidade de São Paulo (USP).

[1] Precedentes: AG nº 5002944- 91.2020.4.02.0000; AG nº 2015.00.00.008760-4; AG 2013.02.01.016003- 8; AG nº 2012.02.01.015552-0; AG nº 2014.02.01.003289-2; AG nº 2012.02.01.008034-8.

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