Situação cotidiana no ambiente urbano brasileiro é a presença de placas e anúncios, em terrenos diversos, contendo os dizeres “aluga-se BTS”, “construímos para alugar” ou “construímos sob encomenda”. Todas essas propostas referem-se ao já popularizado contrato Built to Suit (cujo anglicismo se consolidou talvez por falta de uma boa tradução, mas que de forma livre pode ser interpretado como “construído para servir”).
O verbo servir, neste caso, deve ser entendido com propósito amplo, haja vista que a natureza do BTS vai além da mera utilidade da construção, significando uma construção civil com as exatas medidas e especificações encomendadas pelo contratante locatário.
Mas afinal, o que é exatamente um Built to Suit e quais são as suas principais características práticas e contratuais?
O contrato BTS notabiliza-se por hibridizar duas figuras bastante conhecidas, quais sejam, a construção e a locação de um imóvel (ainda que ao fim e ao cabo não seja exatamente nenhuma das duas). Isso porque, aquele que oferece um negócio built to suit, está a propor aos eventuais interessados um verdadeiro misto de ambas as figuras, à medida que irá promover a construção de um imóvel exatamente da forma pretendida pelo interessado, para, na sequência, ceder onerosamente seu uso ao próprio contratante.
Em termos negociais, isso significará que o contratante da obra civil (e da futura locação), poderá celebrar negócio que atenda plenamente aos seus interesses, máxime pois a obra civil se dará de acordo com as especificações técnicas e construtivas por ele próprio estipuladas, retirando a utópica necessidade de encontrar, disponível para locação, um imóvel “perfeito” para o seu empreendimento.
Já em termos contratuais, o built to suit possui nuances singulares, pois em um único instrumento escrito, serão firmadas as bases de dois negócios jurídicos bastante diferentes: a construção (ou reforma substancial) e a posterior locação do imóvel. Portanto, o interessado é de uma só vez o contratante da obra civil e o locatário do futuro imóvel finalizado. O contratado, por outro lado, incumbe-se da própria construção (ou de contratar terceiros para a sua execução) e de figurar como locador do futuro imóvel.
A forma de remuneração do contratado talvez seja a característica mais marcante do contrato BTS, pois é ele o responsável pelo custeio da obra que será realizada em benefício direto do contratante, cuja obrigação será, tão somente, de pagar – no prazo e valor estipulados – a contraprestação pelo uso do imóvel pronto.
Naturalmente, por se tratar de investimento relevante por parte do contratado (responsável pela construção e locação), o valor da contraprestação será substancial e servirá também a remunerar o valor despendido com a obra civil. O prazo, de outra via, será extenso e fornecerá ao locador maior segurança acerca do retorno de seu relevante aporte financeiro.
Em sendo o prazo e o valor do aluguel fatores relevantíssimos do built to suit, em 2012 o legislador alterou a Lei do Inquilinato (nº 8.245 de 1991), para incluir o artigo 54-A, que trata de tal modalidade contratual:
Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.
Percebe-se da leitura do §1º, que a intenção do legislador foi, justamente, de diferenciar o BTS de uma locação comumente regida pela Lei do Inquilinato, que, dentre outros fatores, tem seu preço passível de revisão decorridos 03 (três) anos da pactuação.
Ora, se a remuneração da parte contratada se presta a retornar, com lucro, o capital investido na construção – de imóvel que atende, frise-se, as específicas necessidades do contratante-locador –, não há porque se cogitar a revisão do valor da contraprestação de acordo com as peculiaridades que são exclusivas a um aluguel comercial típico, regido pelas demais disposições da Lei do Inquilinato.
Nesse específico aspecto, aliás, é de se repisar que a contraprestação do BTS sequer pode ser entendida como simples aluguel, haja vista que o cálculo de seu valor engloba nuances que vão bastante além do valor do locatício, passando pelo custo da obra, risco do negócio, risco de inadimplemento, custo de oportunidade etc. Bem por isso, até mesmo antes da inclusão do mencionado artigo de lei, boa parte da doutrina, para além da jurisprudência, já entendiam pela impossibilidade revisional (ainda que sequer convencionada a cláusula mencionada no §1º acima).
Em parcial desacordo com tal vertente doutrinária e jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça, (REsp 2.042.594/SP) julgando a matéria, fixou entendimento outro, prevendo hipótese específica para que a revisão possa ser levada à efeito, desde que inexistente a renúncia expressa ao direito revisional e possível a distinção, dentro do valor global da contraprestação, entre a parcela que se presta à remuneração do aluguel em si e aquela que remunera todos os demais fatores intrínsecos ao atípico contrato built to suit (isso sem mencionar, evidentemente, a necessidade de comprovação da desproporção do valor cobrado, comum a qualquer ação revisional).
De volta à redação do artigo 54-A, vê-se no §2º outra peculiaridade do contrato BTS, qual seja, a possibilidade de se estabelecer multa, em caso de denúncia antecipada, correspondente “a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação”. Tal estipulação, em uma simples locação, não se faz possível, diante da necessidade da multa respeitar parâmetros gerais da Lei de Locações, bem inferiores àqueles destinados ao built to suit.
Claramente, a previsão do §2º é outra a evidenciar o aspecto singular do BTS, haja vista a possibilidade de se penalizar severamente aquele locatário que, antecipadamente, queira por fim à relação contratual, prejudicando fortemente os interesses financeiros do locador, responsável pela viabilização da obra civil agora locada.
Considerando-se tudo o que foi dito, vê-se que o built to suit, em que pese englobe características comuns a outros negócios jurídicos típicos, é arranjo sui generis, contendo especificidades que fogem às regras ordinárias dos contratos de empreitada/ construção e locação.
Nesse sentido, o cuidado na redação do instrumento contratual que regerá toda a relação entre as partes, é imprescindível e deve ser redobrado, de modo a resguardar os interesses de ambos os pactuantes e, acima de tudo, conferir previsibilidade e estabilidade à relação que pode perdurar por décadas.
César Almeida Bertoldi
OAB/PR nº 90.452
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