A conta Escrow sob a ótica do Marco Legal das Garantias

  • Por:Cunha de Almeida
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O que você entende por “conta Escrow” quando escuta o termo numa mesa de negociações? Para muitos, nada. Mas esse não passa de mais um anglicismo utilizado em ambientes empresariais, que representa figura jurídica de amplo conhecimento, mas que recebeu uma denominação, digamos, business.

A conta Escrow nada mais é do que a “conta-garantia” ou “conta-caução” usualmente utilizada no cenário de fusões e aquisições, ou melhor, M&A (mergers and acquisitions).

É aplicada como forma de se garantir a realização de um negócio, no qual uma instituição bancária escolhida pelas partes serve de meio a se concretizar, p.ex., uma compra e venda de cotas sociais, somente quando todas as demais condições do negócio forem concluídas.

A conta Escrow, portanto, serve para tornar efetivo que o vendedor receba o valor do bem comercializado e o comprador obtenha o bem adquirido, sem que haja o risco de realização de negócio quando uma das partes ainda está inadimplente com suas obrigações.

Usualmente, pela conta Escrow, o valor da negociação é depositado de forma prévia pelo comprador junto a uma instituição financeira, a quem somente liberará o montante após a comprovação da existência e regularidade do bem do vendedor, que receberá o dinheiro após cumpridas todas as obrigações devidas pelo comprador.

Esta é uma forma simples e efetiva de se garantir a realização de negócios jurídicos da mais variada ordem, reduzindo os custos de transação e evitando inadimplementos, assim como nulidades, bloqueios, penhoras, litígios judiciais ou arbitrais, custas e despesas processuais, honorários advocatícios, enfim, todos os elevados custos diretos e indiretos, materiais e subjetivos, que se têm quando os negócios não se concretizam por culpa dos envolvidos.

Mas o que chama a atenção é que o Marco Legal das Garantias, instituído pela Lei 14.711/2023, permitiu que os tabeliães possam administrar essa conta Escrow, por meio de convênio firmado entre sua entidade de classe de âmbito nacional e uma instituição financeira credenciada, exercendo as funções que eram apenas das instituições financeiras em operações de M&A.

Num ambiente de negócios menos complexos, como a compra e venda de imóveis e de veículos, podem agora os Tabeliães receber e administrar os valores da negociação, liberando-os ao vendedor após “constatar a verificação da ocorrência das condições negociais aplicáveis”, com a certificação, por ata notarial, do “repasse dos valores devidos e a eficácia do negócio”, conforme disposto no art. 7-A, parágrafo 2º, da Lei 14.711/2023.

Em sendo frustrado o negócio, o tabelião também certificará a sua não concretização, liberando ao comprador o valor que tiver sido previamente depositado.

Tal simples previsão, que funciona como um contrato de depósito de interesse de terceiro, há muito previsto no artigo 632, do Código Civil Brasileiro, serve a se evitar aquela tradicional insegurança no momento crucial da compra e venda de bens.

Afinal, quem nunca passou pela desconfortável situação de querer pagar pela compra de um imóvel somente após o vendedor assinar a escritura de compra e venda, o qual, por sua vez, só aceita assinar ao receber o dinheiro da negociação em sua conta bancária? Quem deve cumprir a obrigação primeiro?

A utilização do cheque bancário administrativo para tal situação era uma apenas uma solução aparente, pois o vendedor ainda corria o risco do título não ser verdadeiro ou encontrar obstáculos para a liberação dos valores pela instituição bancária.

Tais situações ganham contornos ainda mais pitorescos quando se trata de bens móveis, como na compra e venda de veículos. Como decidir se a assinatura do documento de transferência se dará antes ou após do pagamento dos valores pela aquisição do bem?

Infindáveis são os casos de conflitos havidos nesse momento crucial da realização do negócio, ainda mais por aqueles não afeitos ao mundo jurídico e que não detêm habilidades profissionais à celebração de contratos de compra e venda com a previsão de todas as etapas da negociação.

É por isso que a conta Escrow, sobretudo neste novo cenário, facilita e muito a segurança da efetividade dos negócios, fazendo uso da atuação dos tabeliães, cuja atuação está enraizada na cultura brasileira, mormente pelos serviços notariais funcionarem há mais de 450 anos no país[1].

A Lei n. 14.711/2023 trouxe ainda outra relevante previsão, que até então não encontrava disposição na legislação brasileira.

Diferentemente do patrimônio de afetação da Lei n. 10.931/2004, que trata da garantia do patrimônio das incorporações imobiliárias, evitando com que obrigações não vinculadas à incorporação recaiam sobre os bens imóveis objeto do negócio, a Lei n. 14.711/2023 dispôs que os valores depositados pelo comprador em conta vinculada ao tabelião, para a realização do negócio, constituirá em “patrimônio segregado” e não poderá ser “constrito por autoridade judicial ou fiscal em razão de obrigação do depositante, de qualquer parte ou do tabelião de notas, por motivo estranho ao próprio negócio”.

Ou seja, enquanto o tabelião estiver administrando, em sua instituição financeira vinculada, os valores relativos ao negócio celebrado entre as partes, não poderá haver qualquer ordem de constrição judicial (bloqueio, arresto e penhora, p.ex), sobre tais quantias, até que se perfectibilize a operação.

Por óbvio, que esse é o ponto questionável da Lei 14.711/2023, pois a ocorrência de atos ilícitos pelas partes, que gere a nulidade de qualquer ato jurídico, não impedirá que uma decisão judicial seja proferida e cumprida visando a constrição dos valores objeto da negociação.

O que faltou no Marco Legal foi esclarecer que a vedação da constrição de valores se daria apenas para o caso das partes serem solventes e que não tenham praticado atos ilícitos que pudessem ser alcançar o objeto da negociação.

Seja como for, a previsão da Lei 14.711/2023 sobre a impossibilidade de constrição de valores administrados pelo tabelião, é elemento que auxilia na efetividade da negociação, eis que retira uma série de obstáculos, dúvidas, despesas e contratempos que resultam em inúmeras ações judiciais que abarrotam o Poder Judiciário.

Porém, mesmo diante desta possibilidade ainda permanece imprescindível a atuação do advogado para auxiliar seu cliente, sobretudo em questões nas quais possa escolher e definir o negócio jurídico a ser realizado, assim como mitigar outros riscos intrínsecos à transação, valendo lembrar que a inadimplência é apenas um deles.

Assim, a previsão do Marco Legal das Garantias, facilitou a realização de negócios no território brasileiro, tornando-os seguros, eficazes e evitando os custos e consequências indesejadas que decorrem do desfazimento do negócio por inadimplemento das partes.

 

Pedro Ivan Vasconcelos Hollanda – Advogado.

[1] Artigo: 450 anos do Notariado Brasileiro – José Flávio Bueno Fischer: (Este ano, comemora-se uma data muito especial para os tabeliães brasileiros: 450 anos da criação do notariado na cidade do Rio de Janeiro. De acordo com Deoclécio Leite de Macedo, brilhante paleógrafo brasileiro que dedicou parte de sua vida na tentativa de constituir a história do notariado brasileiro, compulsando velhos livros de registro em busca de elementos que naturalmente se acham esparsos, “o primeiro ofício de tabelião público do Judicial e Notas do Rio de Janeiro, de acordo com o costume português, foi criado juntamente com a cidade, pelo capitão Estácio de Sá, em 1º de março de 1565. Pero da Costa foi nomeado seu primeiro serventuário. Por provisão de Mem de Sá, em 20 de setembro de 1565, foi anexado a esse ofício o de escrivão das Sesmarias. Pero da Costa renunciou, então, ao ofício de tabelião do Judicial, acumulando, somente, as funções de tabelião de Notas e escrivão das Sesmarias.” https://www.notariado.org.br/blog/notarial/os-450-anos-do-notariado-no-brasil, acesso em 18.01.2025, às 16:05h.

Postado em: Notícias STJ

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